quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

.:: Sem culpa na hora de educar os filhos ::.

Comportamento. Livros que prometem ajudar a criar os filhos distorcem a teoria do trauma desenvolvida pela psicologia e tornam os pais reféns de modelos que não são aplicáveis a todas as crianças
Sem culpa na hora de educar os filhos
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Um amontoado de manuais com suas regras e listas tornou a paternidade um sacrifício permanente

Andréa Castello Branco

Desde que o mundo é mundo, as crianças nascem e crescem educadas pelos pais. Salvo exceções, sempre foi deles a responsabilidade de transmitir princípios e regras de convivência baseados em suas convicções e experiências pessoais e familiares. Mas, na última década, os manuais de como educar os filhos transformaram um ato cultural dos mais antigos dentro da civilização em um enorme desafio, uma função cercada de regras, cuidados e listas do que "pode" e "não pode" que mais apavoram do que tranqüilizam. A maternidade/paternidade se transformou num exercício de sacrifício, de abstenção dos próprios princípios, num "pisar em ovos" para alcançar a idealizada harmonia familiar.
A maioria dos livros ou textos sobre o tema veiculados na mídia utiliza a psicologia como matéria-prima, em especial a teoria do trauma, segundo a qual situações adversas de qualquer espécie causariam danos irreparáveis à vida emocional das crianças. Passada a fase aguda da auto-ajuda para os pais, esses manuais começam a ser vistos com desconfiança por um motivo simples: não existe receita para educar uma criança.
"O maior problema nesse tipo de literatura é que ela não oferece subsídios para que os pais conheçam melhor seus filhos, que é a base para uma boa educação. Há uma culpabilização excessiva e, com isso, os pais se tornam inseguros em relação a como agir, se sentem obrigados a admitir tudo. E não se pode admitir tudo", afirma Cláudia Souza, psicóloga com especialização em psicopedagogia.
Medo Excessivo. Segundo a psicóloga, ao contrário do que se pensa, as pequenas atitudes no cotidiano - como repreender, punir, demonstrar raiva, impaciência ou cansaço - não são capazes de causar traumas como temem os pais. "Para traumatizar uma criança é necessário mais de uma causa. Não é um gesto, um ato, que vai provocar isso. E trauma também não é o fim do mundo, não tem que ter medo disso, existem, inclusive, aqueles considerados sadios", explica Cláudia Souza.
Jacques Akerman, professor de psicologia do Centro Universitário Fumec, também vê exagero na abordagem dos livros que se propõem a ajudar na criação dos filhos. "A gente não controla o que traumatiza ou não. Prefiro trabalhar com um referencial um pouco mais amplo, com a idéia de uma peneira mais grossa. A violência, a questão da sexualidade e, principalmente, esses dois juntos, certamente são experiências traumáticas. O importante é evitarmos o psicologismo, os manuais que dizem o que posso ou não posso fazer, porque senão os pais ficam sem função."
Segundo ele, a frustração tem um papel importante na formação da personalidade adulta, embora os pais queiram evitar todo tipo de sofrimento. "É com a frustração que as crianças aprendem que não se pode ter tudo. O sofrimento, quando é sustentado e amparado pelos pais, tem essa função de retirar a criança da dimensão perversa. E o que é a dimensão perversa? É quando você finge que não vê a lei, as regras de convivência. O noticiário está cheio de adultos assim", compara.
Experiência. Zenaide Faria, 28, enfermeira e mãe de Lucas, 10, e Ana Clara, 2, diz que recorreu aos guias quando teve o primeiro filho, pois, aos 18 anos, ficou insegura sobre como deveria educá-lo. Contudo, não ficou satisfeita com os conselhos que encontrou. "Muita coisa saía fora da minha realidade. Além disso, as crianças são diferentes e os pais também são diferentes, não dá pra seguir modelo nenhum. O dia-a-dia te coloca situações que não estão nos livros", diz.
Para Zenaide, as crianças são naturalmente manipuladoras e pedem limites o tempo todo, mas a culpa dos pais por não estarem tão presentes na vida dos filhos é o que torna a educação mais difícil. "O limite da criança é o limite do pai e da mãe. Os livros podem orientar, mas não dão conta de moldar os pais. Você pode segui-los até um certo ponto, mas ninguém consegue fingir o tempo todo. Vai ter uma hora em que você vai ser o que realmente é, aí a criança vai ficar confusa", diz.
Quanto aos traumas, a enfermeira diz não se preocupar com eles na criação de Lucas e Ana Clara. "Tem muita coisa que está fora do nosso controle. O Lucas ficou traumatizado com a morte da avó, é um trauma que não tenho como impedir, ele tem que passar por isso. Não dá para criar um filho se preocupando com trauma. Você tem que ser um educador, com muito amor, com muito carinho, mas nunca esquecer a função do limite", finaliza Zenaide.


Efeito colateral
Insegurança pode levar ao desamparo
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A adoção de receitas para a criação dos filhos pode ter efeitos negativos para todos: os pais se sentem culpados e inseguros e os filhos, desamparados pela indecisão de quem deveria lhe dar segurança. Segundo a psicóloga Cláudia Souza, nada mais prejudicial aos filhos do que pais inseguros e vacilantes quanto aos limites de liberdade.
“A culpa afrouxa o limite. Os pais não devem ser autoritários, mas eles são a única autoridade para a criança. Sem isso, ela fica angustiada porque precisa ter certeza de que aqueles pais dão conta dela, que o amor é suficiente para superar as agressões, as birras”, diz a psicóloga, ressaltando que é natural que a criança teste os pais para saber até onde podem ir.
Cláudia não defende a repetição do modelo de educação que os pais tiveram, mas a seleção daquilo que pode ser importante repassar aos filhos. “Nossa geração foi criada com muita ameaça, muito medo. Então precisamos pensar em outros recursos para não cair nessa armadilha. Mas é fundamental levar em conta os próprios princípios, seguir um pouco a intuição”, aconselha a psicóloga.
Anti-receita. Para Jacques Akerman, além de fugir das receitas prontas, pais e mães ainda têm que lidar com a contradição de criar os filhos num mundo extremamente permissivo e, ao mesmo tempo, ter que colocar regras e condições. “O que a cultura pós-moderna prega? Que você aproveite a vida ao máximo, tenha tudo, consuma ao máximo. Os pais estão imersos nessa cultura, por isso não devemos culpá-los de nada. O limite fica prejudicado mesmo, fica vacilante porque eles estão na contramão, na contra-corrente da ordem vigente, de um fato histórico”, analisa.
Como cada criança é única e não vem com uma “instrução de uso”, Cláudia diz que o melhor caminho para uma educação saudável é os pais investirem no autoconhecimento e na observação dos filhos, seja nas brincadeiras, na relação com outras crianças ou em conversas em casa.
“A partir daí, a resposta que todos procuram – como devo fazer? – vai surgir”, diz, ressaltando que a informação sempre pode ajudar, mas nada pode ser levado ao pé da letra. “Cada filho é um universo e a cada novo filho inicia-se a mesma tarefa do zero, pois cada criança tem a sua singularidade.”
Para ela, a ideologia do super-homem, do profissional polivalente, não deve desumanizar a relação com os filhos. “Eles também precisam conhecer os pais, saber que temos limites, que erramos, que somos humanos. Um dia pode escapar uma palmada e isso não deve virar um drama”, comenta.

O que ler sobre o assunto
“A Criança, sua Doença e os Outros”
Maud Mannoni Ed.Via Lettera
“Ouvindo uma Criança”
T. Berry Brazelton Ed. Martins Fontes
“O que Toda Criança Gostaria que Seus Pais Soubessem”
Lee Salk Ed. Record
“A Psicologia da Criança”
Piaget Ed. Difel
“Conversas sobre Educação”
Rubem Alves Ed. Verus
“Teoria sobre a Sexualidade
Infantil” Sigmund Freud
“Diário de Escola”
Daniel Pennac Ed. Rocco
“Uma Educação Adaptada à Sociedade Globalizada”
Edgar Morin Ed. ISBN

Fonte .:: O TEMPO ::.

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